22.08.2014

Eu sobrevivi ao microtédio

Já estava quase atrasado, tinha uma consulta às 17h45. Horário horrível para ir ao dentista, mas mesmo assim estava no carro no meio da cidade. O trânsito não andava, já eram 17h30 e faltavam três quadras para chegar ao prédio. No rádio, tocava uma música sertaneja que falava sobre baladas e cerveja, coisa de fim de semana, mas ainda era terça.

Finalmente chego ao local, vejo que o estacionamento subiu de preço (de novo!). Seria culpa da inflação? Saio do carro, subo até o 12º andar, falo com a secretária. Ela pede para esperar e fala “já, já, o doutor chama seu nome”. Eu me sento, pego meu celular e ai percebo: Não tenho sinal de internet! Procuro uma rede sem fio e todas estão bloqueadas com senha, penso “que tipo de lugar retrógrado é esse que não oferece wi-fi?”.

Estou incomunicável com o mundo, meus amigos e as notícias. Guardo no bolso o pedaço de tecnologia e espero até ser chamado. Quase uma eternidade depois, vejo que se passaram apenas 3 minutos, eu poderia ter feito um miojo nesse tempo, pelo menos é o que a embalagem diz. Estou num momento de microtédio.

Do micro para o macro

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O microtédio era terrível. Os outros pacientes pareciam estar se divertindo, mas estavam todos junto comigo, no mesmo barco. Tento pegar uma revista, procuro a que ainda possui folhas intactas, mas ela é de janeiro de 1998. Nem memórias existiam na minha cabeça em 1998, como essa revista poderia estar com todas as folhas?

Deixo de lado e começo a prestar atenção no desenho do gesso no teto. Nada muito elaborado, somente algumas linhas iluminadas, aquela mesma monotonia de sempre. As linhas vão ao encontro da TV, que estava muda, apenas com as legendas ativas. Era mais um sinal do silêncio que deve ser instaurado em salas de espera. Acho que essa é a ideia da sala de espera, jogar você numa prisão solitária, monótona e branca. As notícias que passavam na TV não eram novas, já havia lido tudo no meu celular à tarde. O microtédio tinha mesmo se instalado em mim.

Do macro para o mal

MOD

Já tinham se passado insuportáveis 5 minutos, sem eu poder rir de um comentário maldoso sobre uma subcelebridade nas redes sociais. Eu precisava fazer algo! Pensei em me levantar, ir até a bancada e reclamar para a secretária, mas desisti pelo fato de que ela não poderia fazer nada. Meu dentista só poderia estar resolvendo um problema muito sério para tamanha demora.

Meu rosto já não esboçava sorrisos, era visível o mal que o tédio estava me fazendo. Peguei o celular do bolso, abri pasta por pasta, fechei todos os aplicativos abertos. Abri um jogo, mas perdi em menos de 15 segundos.

Já queria abrir a porta do consultório, pedir licença, sentar na cadeira e fazer o check-up sozinho. Nisso me chamam e, de repente, como se nada tivesse acontecido, o microtédio some e a vida recomeça (depois de uma pausa de 15 minutos). Se o meu 3G voltar a funcionar normalmente, claro.

Foi nesse momento que percebi que sou vítima do século XXI, do mundo digital e da minha própria geração.